fbpx

> RÁDIO MT AO VIVO <

ADVOCACIA ARTIGOS EM DESTAQUE MUNDO JURÍDICO ÚLTIMAS NOTÍCIAS

Lavagem de dinheiro e a teoria da cegueira deliberada

(Last Updated On: 20 de novembro de 2020)

Por – Alyne Lisboa da Silva

Com o advento da Lei nº 12.683/12, que reformou substancialmente a lei de combate a lavagem de dinheiro.

1. Introdução

1.1 Lavagem de dinheiro

A operação da Policia Federal denominada “Operação Lava Jato” foi bastante repercutida, onde possamos dizer que é de conhecimento de grande parte da população. Dentre as diversas fases da operação, muitos crimes foram investigados, dentre eles a prática de corrupção, sonegação fiscal, evasão de divisas, crimes licitatórios e etc. No entanto, há um delito que sempre é noticiado e que todos falam, mas poucos compreendem. Refiro-me ao crime de Lavagem de Dinheiro.

A prática criminosa de ocultar ou dissimular bem ou valores oriundos de infração penal, prevista no art. 1º da Lei 9.613/98 e conhecida como Lavagem de Dinheiro, por vezes presentes nas notícias policiais dos jornais brasileiros, apresenta dúvidas ao leitor de como é cometida essa conduta. O delito de Lavagem de Dinheiro possui um caráter acessório, isso significa que depende da ocorrência de outra figura típica para o seu aperfeiçoamento.

Com o advento da Lei nº 12.683/12, que reformou substancialmente a lei de combate a lavagem de dinheiro, muitos debates surgiram entorno dos problemas decorrentes da sonegação fiscal ser considerada um delito antecedente. Os questionamentos são variados, no entanto, saliento os seguintes: É possível considerar o crime de sonegação como um delito antecedente a Lavagem de Dinheiro? E se houver a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo sonegado, persiste o delito acessório?

Quanto ao primeiro questionamento, ressalto que existem algumas interpretações no sentido de que na hipótese do delito antecedente ser o crime de sonegação fiscal não haveria origem ilícita do bem ou dinheiro “sujo”, pois, em tese, o valor sonegado apenas permaneceria com o seu dono e por isso não ensejaria o crime de Lavagem de Dinheiro. A resposta para o segundo questionamento encontra-se positivada na lei de combate à lavagem de dinheiro, em que, após as alterações trazidas pela lei 12.683/12, o art. 2º, § 1º da lei 9.613/98 passou a prevê que a denúncia pelo crime de lavagem poderá ser oferecida mesmo que o autor seja desconhecido ou isento de pena ou que se verifique a extinção da punibilidade da infração antecedente.

A nova redação do art. 2º, § 1º da Lei 9.613/98 não deixa dúvida que o agente responderá pelo crime secundário independentemente de o crime precedente estar prescrito. Como se isso não bastasse, destaco o entendimento de Badaró e Bottini, os ilustres autores ressaltam que como as excludentes de punibilidade não afetam a tipicidade do crime, pode-se concluir que a prescrição da infração anterior não ameaça a existência material do crime de lavagem de dinheiro, desde que esteja configurado o caráter típico e ilícito do delito. Em suma, ocorrendo à extinção da punibilidade no processo de sonegação fiscal devido ao pagamento do tributo, essa decisão em nada interfere na apuração do crime de Lavagem de Dinheiro, em razão da autonomia do delito acessório.

1.2 Teoria da cegueira deliberada e o crime de receptação

A teoria da cegueira deliberada, objeto do presente estudo, também é conhecida no meio doutrinário como teoria das instruções da avestruz, justamente devido ao fato de que o mencionado animal tem o costume de enterrar sua cabeça para não ver e ouvir as coisas que se passam a sua volta.

Essa teoria teve sua origem na Suprema Corte dos Estados Unidos, no chamado caso In re Aimster Copyright Litigation, que envolvia uma disputa sobre violação de direitos autorais. Nessa decisão, a Corte firmou o entendimento no sentido de que o acusado não poderia alegar em sua defesa que não tinha conhecimento sobre a violação dos direitos autorais nos arquivos disponibilizados por ele, conforme se depreende do seguinte trecho da decisão:

Nós também rejeitamos o argumento de Aimster no sentido de que o recurso de criptografia do serviço oferecido por Aimster o impedia de saber quais músicas estavam sendo copiadas pelos usuários de seu sistema. Dessa forma, não pode prosperar a alegação de que ele não tinha o conhecimento da atividade ilícita, o que é uma exigência para a responsabilização pela conduta de contribuir para a infração de direitos autorais. Cegueira voluntária é o conhecimento (…) é a situação em que o agente, sabendo ou suspeitando fortemente que ele está envolvido em negócios escusos ou ilícitos, toma medidas para se certificar que ele não vai adquirir o pleno conhecimento ou a exata natureza das transações realizadas para um intuito criminoso. Em United States v. Giovannetti (1990) restou estabelecido que o esforço deliberado para evitar o conhecimento da ilicitude é tudo que a lei exige para estabelecer a culpa do acusado. Em United States v. Josefik (1985), restou estabelecido que não querer saber porque se suspeita, pode ser, se não for o mesmo estado de espírito, o mesmo que a prática de uma conduta culposa. Em United States v. Diaz, o acusado deliberadamente isola-se da transação de drogas real para que pudesse negar o conhecimento da transação ilícita, o que fez, por vezes, ao se afastar da entrega efetiva da droga (…). O acusado não pode fugir as suas responsabilidades pela manobra, não pode sustentar a alegação de que o software de criptografia o impede de ter conhecimento da violação de direitos autorais, que ele fortemente suspeita que ocorre (…) suspeita essa de que todos os usuários do seu serviço são, de fato, infratores de direitos autorais.
Em linhas gerais, a teoria da cegueira deliberada pode ser aplicada em determinadas situações em que o agente finge não perceber a origem ilícita dos bens adquiridos por ele com o intuito de auferir vantagens. Em outras palavras, ele se faz de bobo visando não tomar ciência da extensão da gravidade da situação em que ele está envolvido.

Contudo, para que a teoria possa ser aplicada, é necessário que fique demonstrado que o agente tinha ciência da elevada possibilidade do objeto material do crime ser de origem ilícita. Trata-se, na maioria dos casos, de uma clara situação de dolo eventual, onde o sujeito ativo vislumbra a possibilidade do resultado lesivo proveniente de sua conduta, mas pouco se importa com a sua ocorrência.

No Brasil, a teoria da cegueira deliberada vem sendo aplicada, especialmente, nos crimes de lavagem de capitais, como ocorreu no caso do furto ao Banco Central de Fortaleza, no ano de 2005. Na ocasião, os criminosos se valeram do dinheiro furtado para adquirir onze veículos em uma concessionária, pagando, para tanto, o valor de um milhão de reais em espécie.

Na decisão em primeira instância, o juiz entendeu que os donos da concessionária fecharam os olhos para os fortes indícios de que o dinheiro utilizado no negócio era de origem ilícita, especialmente devido ao grande furto ocorrido no dia anterior. Apesar disso, os suspeitos foram absolvidos em segunda instância, pois o Tribunal Regional Federal da 5ª Região entendeu que o crime previsto no inciso II,do § 2º, do artigo 1º, da Lei 9.613/98, exige a ciência expressa por parte do agente e não, apenas, o dolo eventual. A decisão destacou, ainda, que a aplicação da teoria da cegueira deliberada nesse caso beiraria a responsabilidade penal objetiva, que, por sua vez, não é admitida no direito brasileiro.

1.3 Teoria da Cegueira Deliberada versus Crime de Receptação: aplicação

O delito de receptação está tipificado no artigo 180 do Código Penal e tem como objeto jurídico o patrimônio, punindo, em linhas gerais, a conduta daqueles que adquirem, recebem, transportam, conduzem ou ocultam, em proveito próprio, coisa que sabem ser produto de crime anterior.

De acordo com a doutrina, a receptação poderá ser simples (art. 180, caput), qualificada (art. 180, § 1º) ou culposa (art. 180, § 3º). No que se refere ao elemento subjetivo do tipo, Rogério Greco nos ensina que o caput do artigo 180 admite, apenas, o dolo direto por parte do agente, sendo que no seu § 1º também é admitido o dolo eventual. Isto, pois, na receptação simples o legislador afirma que o sujeito ativo sabe da origem ilícita da coisa, sendo que na modalidade qualificada o tipo diz que ele devia saber.

Em nosso entendimento, independentemente da modalidade, a teoria da cegueira deliberada sempre poderá ser utilizada para reforçar a materialidade delitiva da conduta. Do contrário, dificilmente restaria caracterizado o delito previsto no artigo 180 do Código Penal, uma vez que os órgãos responsáveis pela persecução penal teriam imensa dificuldade em provar a ciência da origem ilícita por parte do agente, pois ainda não é possível ao Estado imiscuir-se no consciente das pessoas. É certo que, em diversas situações, podem ser reunidos indícios que demonstrem a certeza da origem ilícita da coisa. Entretanto, mesmo nesses casos, a teoria em estudo é pertinente para subsidiar uma sentença condenatória. Por outro lado, em se tratando do crime de receptação qualificada, em que o legislador admite o dolo eventual, não temos dúvida sobre a possibilidade de aplicação da teoria das instruções da avestruz.

2. Conclusão

Assim, a teoria da cegueira deliberada acaba punindo essas pessoas que, com o famoso “jeitinho brasileiro”, procuram auferir vantagens em prejuízo de terceiros. Se todos cumprissem a sua parte, crimes como os de lavagem de dinheiro ou de receptação sequer precisariam existir. Contudo, o ser humano é falho e, portanto, cabe ao Estado munir-se dos instrumentos necessários para o combate ao crime. Para que a teoria da cegueira deliberada tenha vez, é imprescindível que o conjunto probatório demonstre que o agente tinha motivos para suspeitar da origem ilícita do objeto e pouco se importou com isso, fechando os olhos para aquilo que não lhe interessava ver.

Referências:

https://canalcienciascriminais.com.br/lavagem-de-dinheiro-todo-mundo-fala-mas-sera-que-todos-sabem-o…

https://canalcienciascriminais.com.br/teoria-da-cegueira-deliberadaeo-crime-de-receptacao/

COMENTE MAIS ABAIXO A NOTÍCIA!
Danny Bueno - Jornalista
Siga-me
(Visited 303 times, 1 visits today)

Danny Bueno - Jornalista

Especializado em Jornalismo Político e Investigativo. Está radicado nos Estados de Mato Grosso e Rondônia, desde 1991, trabalhando para sites, jornais e emissoras de TV e rádios de Mato Grosso e Rondônia. É assessor de imprensa, roteirista, produtor, editor de conteúdo, relações públicas, consultor e analista de política e marketing social. É associado à ABRAJI - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.
(http://www.portaldosjornalistas.com.br/jornalista/danny-bueno).

MatoGrossoAoVivo é um portal de notícias e entretenimento que cobre eventos, acontecimentos e notícias do estado de Mato Grosso, Brasil. O portal foi lançado em 2016 e oferece conteúdo em diferentes formatos, como artigos, vídeos e fotos. Além disso, MatoGrossoAoVivo também conta com um canal de Rádio/TV online (Rádio WEBLIVE - www.radioweblive.com.br ), que transmite programação ao vivo e gravada 24 horas por dia.

Adicionar comentário

Click here to post a comment

VITRINE DE CLIENTES

MERCADO IMOBILIÁRIO

LEITURA OBRIGATÓRIA:

Danny Bueno - Análise dos Fatos

Especializado em Jornalismo Político e Investigativo. Está radicado nos Estados de Mato Grosso e...

DENÚNCIA ONLINE

AGRONEGÓCIO | INDICADORES

GRUPO GAMA

ENQUETE:

Em quem você votaria para prefeito de Alta Floresta, se as eleições fossem hoje?

Chico Gamba
67 Vote
Oliveira Dias
43 Vote
Robertinho Motos
2 Vote
Tony Rufato
28 Vote
Frank Almeida
9 Vote
Dr. Vinícius
19 Vote
Maria Izaura
3 Vote
Marcos Menin
3 Vote
Tutti (Oslen Dias)
5 Vote
Robson Silva
2 Vote
Luciano Silva
4 Vote
Zé Eskiva
3 Vote
Dr. Charles
4 Vote
Rose do Tradição
1 Vote
Ilmarli Teixeira
3 Vote
Doglas Arisi
6 Vote
Cezinha da Econ
0 Vote
Edson Arrotéia
4 Vote
Coronel Ribeiro
19 Vote
Christian Lima
16 Vote

COLUNAS JURÍDICAS

AUTOMOTIVOS

SAÚDE PLENA

SAÚDE E BEM ESTAR

PUBLICIDADES & PARCERIAS

CENTRAL DE INFORMAÇÕES:

APOIE ESTA CAUSA

Facebook