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Superministra sem pasta

(Last Updated On: 14 de abril de 2024)

Quem está unida pelo casamento a um chefe do Poder Executivo (federal, estadual ou municipal) não ocupa um cargo.

A Constituição de 1988 foi tão palavrosa e abrangente que incluiu dois trechos infiltrados sem serem submetidos à votação no plenário e quase incorporou uma maluquice assombrosa: se os pais da ideia não tivessem deixado para depois o detalhamento da coisa, a inflação em crescente descontrole seria terminantemente proibida de ultrapassar a taxa mensal de 12%.

Pois mesmo nessa floresta de artigos, parágrafos e incisos, como aliás ocorreu em todas as Cartas Magnas anteriores, a expressão “primeira-dama” não aparece uma única vez. Não faz sentido perder tempo com uma fantasia excluída do mapa oficial da administração pública. Quem está unida pelo casamento a um chefe do Poder Executivo (federal, estadual ou municipal) não ocupa um cargo. É só a mulher do presidente da República, de um governador ou de um prefeito, nada mais que isso. Ponto final, aprendi ainda na infância.

Meu pai foi prefeito quatro vezes. Em nenhuma delas minha mãe enxergou no espelho uma primeira-dama. “Eleição não é concurso de dança”, dizia. “Os eleitores votam em um candidato, não num casal. Quem leva a sério essa invenção ridícula deveria, quando terminasse o mandato do marido, fazer como a Miss Brasil: entregar uma faixa à sucessora.” Depois de casar-se, a jovem professora primária acrescentou o sobrenome de Adail Nunes da Silva ao Emília Menon da certidão de nascimento. Mas prevaleceu o apelido que a identificava desde a meninice. Biloca virou Dona Biloca depois de adulta. E assim a filha de imigrantes italianos foi tratada por todos até morrer, aos 83 anos.

Aos 57, Rosângela Lula da Silva, a Janja, nem esperou o início do governo para comunicar que comete um crime hediondo quem a considera apenas a terceira mulher do atual presidente da República. Filiada ao PT desde 1983, formada em sociologia pela Universidade Federal do Paraná, a persistente companheira acompanha Lula de perto desde o século passado, quando o futuro cônjuge zanzava pelo Brasil escoltado por dúzias de devotos. Janja fechou o cerco nos 500 dias em que o alvo permaneceu engaiolado em Curitiba. “Eu o visitava sempre que podia”, contou durante a campanha eleitoral de 2022. Lulistas que acamparam nas imediações da cadeia até que o presidiário fosse libertado confirmam: as visitas foram muitas. “Também trocamos muitas cartas”, emendou Janja.

(Ninguém teve acesso a tais papéis que, se efetivamente existem, têm altíssimo valor histórico. Se a destinatária divulgasse ao menos uma dessas preciosidades, desmontaria a suspeita de que o Brasil é o único país do mundo que presenteou com três mandatos presidenciais um homem que nunca leu um livro e não sabe escrever. Mas voltemos a Janja.)

Na primeira entrevista, previsivelmente concedida à TV Globo, ela garantiu que não seria uma primeira-dama como qualquer outra. “Nesses quatro anos, quero estar mais atuante e mais próxima das causas que me são mais caras: mulheres, segurança alimentar e proteção de crianças e jovens”, caprichou a usina de platitudes enquanto comandava a montagem da mais espalhafatosa das festas de posse. “É por isso que quero ressignificar o papel de uma primeira-dama.”

A etapa inaugural da prometida ressignificação foi debitar na conta de Jair e Michelle Bolsonaro todos os problemas passados, presentes e futuros do Brasil, começando pelos estragos que teriam transformado a residência oficial do presidente no único cortiço com a grife Oscar Niemeyer.

Ao passar diante do Primeiro Casal, Moraes distende a musculatura facial em retribuição ao cumprimento caloroso da primeira-dama. E abre um sorriso quando Janja o surpreende com um tapinha nas costas e um exclamativo inaudível. Em janeiro de 2023, segundo os dicionários, “ressignificar” queria dizer “mudar o significado”.

Passados apenas 15 meses, está claro que esse verbo, conjugado por Janja, tem mil e uma utilidades. Hoje também significa “denunciar o sumiço de móveis que continuam no palácio em que estavam; controlar a agenda do marido e bloquear telefonemas inoportunos ou inconvenientes; viajar para o exterior ao menos uma vez por mês; representar o governo em visitas ligeiras a regiões inundadas; nomear afilhadas e manter amigas no emprego; influenciar decisões de tribunais superiores; avaliar projetos do BNDES; representar o país em debates promovidos pela ONU sobre assuntos que desconhece; decidir o que o casal vai vestir; escolher o hotel em que o casal vai dormir; furtar a quatro mãos pilhas de canetas desprovidas de vigilância em eventos internacionais; comportar-se com autoridades de quaisquer poderes, especialmente ministros do Supremo, com o desembaraço de amigo de infância”.

O vídeo que ilustra a abertura da coluna sugere que Janja pretende elevar à categoria de arte demonstrações de intimidade com figurões que conheceu há pouco tempo e costumam meter medo mesmo em inocentes que entram na sua alça de mira. Numa cerimônia realizada em dezembro, Alexandre de Moraes acaba de discursar. O coro que grita “Xandão” traduz o apoio de boa parte da plateia, mas o orador caminha em direção à mesa de autoridades com cara de zangado.

Ao passar diante do Primeiro Casal, Moraes distende a musculatura facial em retribuição ao cumprimento caloroso da primeira-dama. E abre um sorriso quando Janja o surpreende com um tapa nas costas e um exclamativo inaudível. Como fazem os jogadores de basquete americanos que se erguem do banco para saudar o autor da acrobática enterrada que induziu o técnico do time inimigo ao imediato pedido de tempo.

Se Janja trata com tal desenvoltura o Primeiro Carcereiro, o que a impediria de pedir a um magistrado que ajude a instalar na cadeia um ex-jogador de futebol condenado por estupro pela Justiça Italiana? Ou de protagonizar o que a imprensa estatizada chama de “apresentação solo” em reuniões com o alto comando do BNDES? Como sentir-se constrangida se o marido está grávido de encantamento? “A Janja é uma espécie de meu farol”, derramou-se Lula há poucos dias. “Quando tem alguma coisa errada, ela me chama a atenção. Quando tem alguma coisa nas redes, ela me chama a atenção. Às vezes, ela fala coisas para mim que a minha assessoria não fala, e ela fala. E isso me ajuda, obviamente.”

Dona Biloca não se metia em política partidária, guardava distância de comícios, evitava cerimônias oficiais. Mas enxergava com nitidez o mundo dos palanques, era uma boa leitora de almas e dizia na mesa de jantar o que estava achando. Ela entenderia, por exemplo, que um Lula sozinho no leme já é um perigo e tanto, e que a tripulação que o acompanha recomenda ao Brasil que presta rezar para todos os santos.

Também teria concluído que um barco guiado por um farol como Janja, agora acumulando as funções de Primeira-Dama Ressignificada e os poderes de Superministra sem Pasta, está condenado ao naufrágio.

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Augusto Nunes

Foi redator chefe da Revista Veja, diretor de redação do Jornal do Brasil, do Estado de São Paulo, do Zero Hora e da Revista Época. Atualmente é colunista na Revista Oeste e integrante do programa Oeste Sem Filtro. Apresentou durante oito anos o programa Roda Viva da TV Cultura, e foi um dos seis jornalista entrevistado no livro "Eles mudaram a Imprensa". Escreveu os livros "Minha razão de viver - Memórias de Samuel Wainer" e "A esperança estilhaçada - Crônicas da crise que abalou o PT".

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